O Coração Normal
O coração é uma bomba de sangue com quatro câmeras. Dois átrios na parte superior e dois ventrículos na parte de baixo do coração. Os átrios recebem o sangue do corpo e dos pulmões (oxigenado) e os ventrículos bombeiam o sangue para os pulmões e para o corpo.
O sangue do corpo que chega ao átrio direito vai para o ventrículo direito (azul na figura ao lado) e dali pra os pulmões. Do pulmão, o sangue oxigenado vai para o átrio esquerdo. Depois para o ventrículo esquerdo e dali e bombeado para o resto do corpo (vermelho).
O Sistema Elétrico do Coração: Para que possa trabalhar adequadamente como uma bomba, a contração dessas quatro câmeras é coordenada pelo sistema elétrico do coração que precisa estar organizado de uma forma muito precisa, como um relógio. Quando o batimento cardíaco está normal, chamado de ritmo sinusal, os impulsos elétricos fluem normalmente entre as 4 câmeras numa frequência de 50 e 100 batidas por minuto enquanto você está em repouso. Quando em exercício, o número de batimentos sobe dependendo da sua idade e condicionamento físico.
Para regular o número de batimentos, o coração tem seu próprio “marcapasso natural”, chamado nó sinusal (que dá origem ao ritmo sinusal normal). Que envia impulsos elétricos regulares. Este sinal elétrico espalha-se para os dois átrios comandando a contração dessas câmeras. A seguir, o sinal elétrico atinge o Nó AV, que lentamente deixa o sinal passar dos átrios para os ventrículos. Esta “demora” do impulso elétrico no nó AV faz com que a contração dos átrios, que só ocorreu em ritmo sinusal, ajude a encher os ventrículos na parte de baixo do coração. A contração dos átrios é responsável por 30% do enchimento dos ventrículos.
O Que é Fibrilação Atrial?
Acabamos de ver que o coração fica em ritmo sinusal, porque o sinal elétrico vem de apenas um local: do Nó Sinusal (“Normal”). Em algumas pessoas, entretanto, outras partes do coração, geralmente as veias pulmonares (trazem sangue do pulmão para o átrio esquerdo) começam a enviar sinais elétricos que competem com o nó sinusal. Estes sinais concorrentes causam um batimento cardíaco caótico chamado Fibrilação Atrial (FA). Durante a fibrilação atrial, não há contração efetiva dos átrios e um determinado volume de sangue fica estagnado dentro dessas câmeras, diminuindo o enchimento dos ventrículos e aumentando o risco de formação de coágulos.
A Fibrilação é uma Arritmia Comum?
A fibrilação atrial é a mais comum das arritmias cardíacas. Sua prevalência aumenta com a idade chegando a atingir 10% dos adultos acima dos 70 anos. Esse tipo de arritmia cardíaca pode ser manifestar de várias maneiras.
Quais os Tipos de Fibrilação Atrial?
A fibrilação atrial pode acontecer tanto em pacientes com coração normal (sem doença cardíaca) bem como em pacientes com doenças do coração como insuficiência cardíaca, pressão alta e infarto do miocárdio. Para a maioria das pessoas, a FA começa com episódios de palpitação irregular de curta duração mas os sintomas pioram progressivamente. Ao longo dos anos, os episódios de FA vão ficando cada vez mais frequentes e mais longos até que a FA não reverte mais sozinha. Isto acontece porque os episódios de FA podem alterar a estrutura muscular e elétrica do coração, facilitando o aparecimento de mais FA.
Existem alguns tipos de FA. De uma maneira geral, o tipo de FA depende do tempo em que o paciente está em arritmia.
- FA Paroxística (dura até 7 dias): Os sintomas vêm e vão sozinhos e cada episódio pode durar de minutos a horas.
- FA Persistente (dura entre 7 dias e 12 meses): Os sintomas continuaram a não ser que drogas antiarrítmicas ou cardioversão elétrica sejam usadas.
- FA Persistente de Longa Duração: quando a arritmia dura mais de 12 meses.
- FA Permanente: quando o médico ou o paciente decidem que não vão tentar corrigir a arritmia.
Pacientes com FA podem desenvolver sintomas, tais como:
- Palpitação, Falta de ar, Fadiga e Sensação de Cansaço
- Tonturas / Desconforto no Peito
- Dilatação do Coração e Insuficiência Cardíaca
- Derrame cerebral
O tipo de sintoma predominante pode variar com o tipo de FA. Mas o risco de derrame cerebral independe do tipo de FA. Os sintomas desaparecem e o risco de derrame diminui se o paciente tratar a FA da maneira correta e/ou se tomar anticoagulante para afinar o sangue.
Quais as Opções de Tratamento para a FA?
Em geral, os objetivos dos tratamentos para FA são três principais:
- Reduzir a frequência cardíaca e aliviar alguns sintomas, sem interromper o ritmo cardíaco irregular – Nos casos em que o médico decide que a chance de tratar a FA é muito baixa ou o tratamento muito arriscado, o objetivo do tratamento será o de controlar a frequência cardíaca e permitir ao coração bombear sangue rico em oxigênio de forma eficiente. Aliviando alguns ou todos os sintomas da FA. O controle da frequência cardíaca também evita o enfraquecimento progressivo do músculo cardíaco.
- Evitar a formação de coágulos, evitando o AVC – Para a maioria dos pacientes com FA, medicamento anticoagulante (afinador do sangue) é receitado junto com outros tratamentos. Este medicamento é um importante na prevenção de coágulos reduzindo o risco de acidente vascular cerebral.
- Restaurar o ritmo normal – Isto pode ser alcançado através de medicamentos antiarrítmicos e/ou por ablação. Se a FA não for tratada, pode eventualmente enfraquecer o músculo cardíaco e causar danos permanentes. A restauração do ritmo normal do coração pode aliviar os sintomas de FA e prevenir a formação de coágulos de sangue perigosos.
A ablação de Fibrilação Atrial por cateter é mais eficiente do que os remédios para tratar a FA. Entretanto, a ablação de Fibrilação Atrial é um procedimento invasivo com alguns riscos. Por isso, está geralmente indicada em pacientes nos quais o tratamento com remédios não foi eficaz ou naqueles que não querem tomar remédio ou tiveram efeitos colaterais com a medicação. No Brasil, a ablação de Fibrilação Atrial pode ser feita com radiofrequência ou crioablação (congelamento) das veias pulmonares que são o principal foco de FA.
Ablação de Fibrilação Atrial por Radiofrequência:
O resultado da ablação de Fibrilação Atrial por cateter depende do tipo de FA. Vamos inicialmente discutir a abordagem da FA paroxística (até 7 dias) e da FA persistente (de 7 dias a 1 ano).
Esses 2 tipos de FA são desencadeadas por sinais elétricos que vem das veias pulmonares e competem com o ritmo sinusal gerando o ritmo caótico. A maioria das pessoas têm quatro veias pulmonares – 2 do lado esquerdo e 2 do lado direito.
FA Paroxística e FA Permanente
Para fazer a ablação de Fibrilação Atrial com energia de radiofrequência (RF), um cateter é inserido nos vasos sanguíneos da virilha até o coração. Uma vez que o cateter está no átrio esquerdo, utiliza-se a radiofrequência para cauterizar em torno das veias pulmonares e criar um bloqueio elétrico entre as veias e o coração. Assim, mesmo que a veia continue a disparar, os sinais elétricos não conseguirão chegar ao coração e o paciente não terá mais FA.
Cada ponto de cauterização é chamado de aplicação de RF que são feitas de uma forma circular, em torno das veias pulmonares direitas e esquerdas. Isto isola eletricamente as veias pulmonares do coração. Assim, após uma ablação, as veias pulmonares podem continuar a fornecer sangue para o coração, mas sem desencadear FA.
Porque a Fibrilação Atrial Pode Voltar?
Como vimos acima, um dos objetivos da ablação de Fibrilação Atrial é criar um isolamento elétrico permanente entre as veias pulmonares e o coração. Para que isso seja possível, vários pontos de cauterização (aplicação de RF) são feitos na região em que as veias pulmonares se juntam ao coração. Essas aplicações, são queimaduras que se transformam em cicatriz. Esse é o objetivo da cauterização pois a eletricidade não consegue passar pela cicatriz.
Se a FA voltar depois da ablação (recorrência), o paciente tem que repetir o procedimento em alguns dos locais onde foram feitas as aplicações de RF. Podem, entretanto, não desenvolver cicatriz e a eletricidade volta a passar por estas regiões conforme ilustração abaixo. Os pontos em vermelho representam as aplicações de RF em torno das veias e as setas verdes os focos de FA disparando a partir das veias. Quando o isolamento elétrico é completo, o paciente não tem mais FA pois os impulsos elétricos ficam confinados nas veias do pulmão①. Entretanto, se algum desses pontos não virar cicatriz②, os impulsos das veias voltam a atingir o coração causando fibrilação atrial③.
FA Permanente de Longa Duração
Como na FA paroxística, a FA de longa duração também é desencadeada por sinais elétricos que vêm das veias pulmonares. Mas nesse tipo de FA, o coração já sofreu várias alterações elétricas e no músculo cardíaco que passa também, a enviar sinais elétricos que pode desencadear FA. Ablação de Fibrilação Atrial por cateter de longa duração é muito semelhante ao que foi descrito na FA Paroxística. A principal diferença é que, além de cauterizar e isolar eletricamente as veias pulmonares, as aplicações de radiofrequência também precisam ser feitas no músculo cardíaco, na região dos átrios.
Outra grande diferença é que o tratamento da FA de longa duração, muitas vezes requer dois procedimentos de ablação de Fibrilação Atrial. A primeira ablação organiza o ritmo o suficiente para que a fibrilação atrial se transforme em um Flutter Atrial.
O flutter atrial é causado por uma única onda elétrica que circula muito rápido no átrio direito e/ou esquerdo do coração. No entanto, como o flutter atrial é um ritmo muito organizado, a maioria das pessoas tem uma pulsação regular.
Os pacientes com FA de longa duração, frequentemente necessitam de um segundo procedimento para ablação de Fibrilação Atrial do flutter atrial. Isto é feito através de aplicações de RF em região do coração atravessando o caminho do circuito do flutter atrial.
Como Prevenir o AVC em Pacientes com Fibrilação Atrial?
Durante a FA, os sinais que competem com o ritmo normal do coração, desorganizam a contração dos átrios fazendo com que o sangue fique estagnado nessas câmeras cardíacas. Com o tempo, isso pode favorecer a formação de um coágulo de sangue. Se o coágulo se soltar do coração e cair circulação sanguínea, ele pode ir até a cabeça e bloquear o fluxo sanguíneo de uma parte do cérebro, causando o derrame ou Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Quando ocorre um derrame, as células cerebrais não são capazes de receber oxigênio e nutrientes e morrem. Como cada parte do cérebro controla diferentes funções do corpo, as consequências do acidente vascular cerebral dependem de onde ele ocorreu no cérebro.
O AVC é um dos problemas mais graves da FA. Cerca de 20-30% dos pacientes com AVC tem FA associado ou não ao diabetes e a hipertensão arterial. O risco de AVC é 6 vezes maior em quem tem FA e as sequelas do AVC em pacientes com FA são mais graves do que quando o AVC ocorre em pacientes sem FA. O risco de AVC nesses pacientes varia com a presença de outros fatores de risco como pressão alta e diabetes. Quando maior o número de fatores de risco, maior a chance de AVC. Existe um Sistema de pontos para avaliar qual o risco do paciente com FA de ter AVC. Nesse escore de risco, se atribui a cada fator de risco um número de pontos. Quanto maior o número de pontos, maior o risco de AVC.
Nos pacientes que tem mais de 2 pontos, está indicado o uso de anticoagulantes para afinar o sangue. Esses medicamentos são muito eficientes na redução do risco de AVC mas aumentam o risco de sangramento. Os pacientes que fazem uma ablação de Fibrilação Atrial com sucesso e tem o escore de risco <3 e nunca tiveram AVC, precisam tomar anticoagulante por apenas 2-3 meses após o procedimento. Depois desse tempo durante o qual ocorre a cicatrização das cauterizações cardíacas, o anticoagulante pode ser interrompido.
Alguns pacientes não podem fazer Ablação de Fibrilação Atrial ou tem um escore de risco de AVC muito alto. Nestes casos, será preciso tomar anticoagulante para o resto da vida. Alguns desses pacientes podem ter efeitos colaterais importantes com o anticoagulante ou ter um risco de sangrar muito alto e ter até uma hemorragia cerebral. Nestes pacientes, está recomendado o uso de um filtro especial que é colocado dentro do coração a partir das veias da perna. Esse filtro, previne a formação do coágulo no coração e diminui o risco de AVC. No momento, esse dispositivo só está indicado nos pacientes que não podem tomar o anticoagulante.